13 de ago. de 2009

Catetos, hipotenusa e todo o resto

Eu perdi o ritmo da poesia. Talvez deva tentar outro gênero agora.
Eu perdi o ritmo da minha rotina também. Talvez deva tentar ser menos rotineira agora.
Eu perdi um pouco de mim mesma nesses tempos. Eu vi o que não via antes. Sempre esteve lá, mas algo me cegava. Algo me fazia pensar que as coisas eram menos importantes do que são.
A vida é um milagre lindo. O sistema é esmagador. Faço parte da minoria privilegiada, não enxergava a maioria.
Quando ficamos muito tempo num certo tipo de vida, tomamos aquilo como normal e comum. Só que o normal e comum é o da maioria. Eles levam a vida que eu nunca levei e, provavelmente, nunca terei que levar.
As crianças trabalham, os adolescentes largam a escola. Os adultos trabalham por tão pouco e os jovens fazem muito.
Filas, grosserias, ignorância. Sobra tudo pra maior parcela da sociedade. E para nós, o que sobra? Reclamações estúpidas sobre não ter o melhor celular ou não poder ir à próxima micareta ou festa.
Nós queremos tanto que a nossa vida burguesa seja emocionante que exageramos em tudo. Fazemos um escarcéu se a internet ficou fora do ar, se a chapinha estragou ou se esqueceram do açúcar no nosso suco.
Eles passam horas esperando para serem atendidos. E nos atendem também. Agüentam cada patada por não estarmos num bom dia- afinal, o carro estragara de manhã. Enquanto eles tomaram várias conduções lotadas, esperando pacientemente por cada uma delas.
Nós não percebemos as crianças no sinal, os mendigos deitados na calçada, os aleijados nas ruas.
Não vemos as trabalhadoras mulheres vendendo doces e salgados, trabalhando de sol a sol para poderem manter suas famílias.
Não ouvimos os gritos da violência, os que traficam drogas pra viver nem os que são agredidos na nossa frente todos os dias.
O que está acontecendo conosco?
Será que a burguesia sempre foi assim tão cega?
A burguesia criou um sistema. O sistema age em prol da burguesia. A burguesia finge não gostar do sistema. E faz da própria vida uma desculpa para não ter tempo de ajudar, de mudar, de ouvir.
Nós somos a burguesia. Temos carro, comida, roupa lavada e escolas privadas. Saímos todos os fins de semana, nos vestimos bem quando queremos e temos plano de saúde.
Temos tudo o que precisamos e, ainda assim, não temos nada. Fingimos uma luta contra qualquer coisa, desde a faculdade até um coração partido. E somos incapazes de ver a luta dos demais brasileiros contra a própria corrente.
Esse fluxo capitalista
Essa multidão enfurecida
Que grita com quem atende
Usa roupa de marca e discrimina quem não usa
Sem se lembrar de que são esses que não usam que fabricam a roupa de marca que eles usam, a comida que eles consomem e a vida que eles levam.
Somos aproveitadores. E descarados o suficiente para fingir nos importarmos com as questões de diferenças sociais.
Quando na verdade o que queremos é uma pirâmide eterna, a fim de sermos sustentados pelos que hoje sofrem. O que importa é que os esmagados são eles, não nós.
Vamos ajudar o próximo, amar uns aos outros e querer a paz mundial.
Vamos também aumentar os preços, pagar pouco e fechar os olhos para o que nós mesmos fazemos.
Somos a classe nauseabunda: a podre e eterna burguesia. Um brinde ao capitalismo.