10 de dez. de 2013

Cabimento

Como que podia caber tanto amor
Na roupa pra lavar
Na cama pra arrumar
Na louça por fazer
Na preguiça das manhãs
No beijo de adeus

8 de dez. de 2013

Mediano

Cada dia perdido era um dia ganho
Naquela lista interminável de dias inúteis
Que ela acumulava enquanto sonhava
Com a vida perdida que era vida ganha
Naquela lista de vidas que só se vive uma
Até parar as listas
Até parar os sonhos
Até parar de se parar
E se permitir, talvez
Perder os ganhos
E ganhar as perdas
As perdas nos atos inacabados
Nos amores ignorados
Na comida mal feita
No dinheiro mal gasto

26 de out. de 2013

Pro Pagamento

Alguém apareceu, deu um oi.
Chegou ali, colocou um passado em cima da mesa que nem um bloco de concreto, tacteável, visível. Mostrou como esculpir aquele bloco. Disse que dava pra mudar o material, a finalidade, aumentar a resistência dele. E no final aquele bloco ia ser um eu melhor, pronto pra ser esculpido pelo meu próximo eu do futuro. Pra ver se no final ele vira uma obra daquelas que servem por si só.
E foi embora assim, sem cara nem nome, sem cobrança nem expectativa. Como se o universo realmente sempre tivesse uma forma de se pagar. Uma vez na vida todo mundo vira ajudante sem cara, uma vez na vida todo mundo precisa ser puxado assim, involuntariamente, aleatoriamente.

17 de out. de 2013

Dicionário

Se eu pudesse me expressar
Diria que ele tem um quê
Que me faz me apaixonar de novo
Toda vez que penso nele

8 de out. de 2013

Reduzindo

Na hora de ir embora ela empacotou tudo, mandou pra cunhada. Entrou na van branca e botou o cinto. Ela se perguntava qual a necessidade do cinto de segurança quando se está indo em direção à morte. Repensou e decidiu que ela poderia colidir e matar outra pessoa. Apertou os cintos.
Ela foi passando pelo bairro. Viu a igreja onde o neto tinha sido batizado, a praça onde o filho aprendera a andar de bicicleta. Viu também a escola onde lecionou por vários anos e o posto de saúde em que levava as crianças pra vacinar.
Achava irônico que por tanto tempo criou tanta gente e agora tinha que pagar pra ser levada ao hospital. Ninguém tinha tempo pra levar a mãe pra lugar nenhum.
Ela chegou no hospital, tinha um cheiro característico que lhe dava calafrios. A médica explicava o procedimento. Ela não ouvia. Sabia que iria morrer, ela havia sonhado por três noites seguidas com aquilo.
Ela se deitou na maca, lhe enfiaram uma agulha. Ela dormiu.
No dia seguinte vieram lhe examinar, mas era só corpo. Ela era alma, ar, tinha evaporado dali que nem chuva em dia quente.
A cunhada abriu as caixas. Encontrou fotos, lembranças que ela havia guardado a vida toda. Achou aquilo tudo muito inútil e botou pra fora.
O lixeiro levou a caixa, que apodreceu no lixão até não restar nada.
Sua neta pensava que não queria sua vida apodrecendo.Nunca guardou nada, nem dinheiro. E morreu uns anos depois, atropelada por um carro, usando os únicos sapatos que lhe restavam.
Os sapatos também foram apodrecer no lixão um dia. Enquanto os corpos de ambas se decompunham.
A bisneta não gostava da ideia. Morreu muitos anos depois. E seguiu o inevitável destino de todo mundo, de voltar pra terra.

6 de out. de 2013

Do estoque de sonhos

Eram tantas caixas que ela se perguntava se a vida dela era assim mesmo, toda empacotada, setorizada.
Ela adorava acumular. Mas se assustava com quão facilmente ela poderia se desfazer daquilo tudo.
Só faltava uma pergunta e uma afirmativa. Pra encaixotar uns livros, umas mudas de roupa, e partir.
Pra aquele lugar com as árvores de fruta, da parede azul cheia de fotos, dos móveis que ela ajudara a construir.
Aquele lugar em que a vida dela não é feita de caixas, de limpeza, de rotina.
Pra cozinhar por longas horas e demorar um dia pra lavar tudo. Pra descansar na rede, ler um livro, dar um beijo.
Pro paraíso que eles tinham criado paralelamente, que ela visitava todo dia ao dormir.E ela via o sol nascer da varanda, abraçada nele, tomando um café.
Onde a única coisa que se acumulava era amor.

Ela um dia foi. E eles nunca compraram nenhuma caixa.

30 de set. de 2013

Por quê?

Por que a gente tem que ser engolido pela propaganda?
Por que a gente passa a vida correndo atrás de dinheiro e perdendo tempo?
Por quê?

Por que eu preciso disso tudo?
Por que eu não tenho outro caminho pra percorrer?

Por que tanta pressão?
Por que eu tenho que seguir um padrão?


Por quê?

Por que não posso questionar?
Por que tudo tem que ser assim?

Por quê?

Por que eu me sinto presa
Mesmo quando não tem nada me segurando
Além da mão invisível da sociedade
E os laços que nos unem

Por que eu não posso sumir?

23 de set. de 2013

Dos Vizinhos

Se tiver que ir, larga um bilhetinho
Dizendo assim que volta logo
Que eu te asso um bolo, espremo umas laranjas
E fico sentadinha, esperando
Pra gente lanchar vendo tv
Enquanto o vizinho espia da janela esquerda

Se você for pra sempre, larga um carta
Bem longa e cheia de entrelinhas
Pra eu ter o que ler
Enquanto espio os vizinhos da minha janela direita

19 de set. de 2013

Pro incomum

Desculpa se teu jeito incomoda
Se a visão é torta,
Se a mente tá poluída com a mídia
Desculpa se o mundo não te inclui
Se a vida só te exclui
Se te julgam pela cara
Olha, me desculpa por viver aqui
Por estar e ser imersa nisso tudo
Por concordar sem perceber, por repetir sem querer
Me desculpa se o mundo não aprendeu a ver o seu jeito como próprio
Ao invés de tentar adequar ele a mais um padrão
Pra ficar mais fácil de controlar
Que aqui vendem pessoa segundo cor,  tamanho, cabelo
E te colam um selo
Toda vez que sai do comum
Desculpa se teu jeito não é previsível
Se a surpresa desagrada
Me desculpa por não aceitar o seu jeito mesmo aceitando
Que pra mim também é difícil
Me livrar dos rótulos e lentes pra ver você

2 de set. de 2013

(Im)pessoal

Fica tão difícil escrever algo assim, impessoal
Quando o coração tá pedindo por um poema de amor com um quê de saudade
E a mente tá num nó só, confusa com tanto sentimento
Tanta coisa boa que não cabe mais

31 de ago. de 2013

Sobre a pequenez das coisas

Nada era o mesmo que ignorar a situação.
Nada era o que ele podia fazer...

Pequeno, encolhido num canto, ele juntava as expressões confusas que iam aparecendo na sua mente.
Devagar e eficientemente ele organizou uma lista, a lista de coisas que faziam ele se sentir pequeno:

*Quando ele pedia o lanche na faculdade e a moça da cantina não lhe ouvia
*Quando a namorada conversava com outros e o deixava de lado
*As vezes que fez sinal prum ônibus que passou direto
*As festas que não podia ir, mas ela ia

Logo ele, um cara fisicamente grande, bem apessoado, lhe diziam. Tinha medo de coisas tão insignificantes como formigas em seu copo d'água ou não ter o dinheiro vivo na carteira ao fazer supermercado.
Ele, que era ali a figura do homem másculo, forte, se amedrontava toda vez que a namorada desaparecia do icq à noite.

Ele queria gritar pro mundo que não estava bem. Não estava bem ignorarem a sua voz, não estava bem ficar isolado na festa. Definitivamente não estava bem se sentir tão impotente.

Só que a vida não parava de acontecer, mesmo quando ele quase se fundia com o solo, numa mistura de vergonha e tristeza. Das coisas simples, sabe? Das coisas que acontecem todo dia e diminuem a gente ainda mais.

Ele tomou mais uns goles de cerveja e saiu do bar, saiu da cidade, saiu do estado. Olha, ele andou e andou, até achar uma casinha no mato e perguntar: "tá pra vender?"

E foi assim que acharam ele, uns 20 anos depois, tranquilo no quintal, colhendo umas bananas que tinham dado.

Ele ainda se sentia pequeno. Mas cuidava de coisas tão menores que se sentia, enfim, importante pra alguém, principalmente pro vira-lata zé e pra hortinha que ele regava todo dia.

27 de ago. de 2013

Cisma

Conto até três
Respiro fundo
E espero o ciúme passar
Pra dar lugar de novo ao amor

26 de ago. de 2013

De graça

Ela chegou na fábrica dos sonhos e perguntaram o que ela queria. Qualquer coisa mesmo! Dinheiro infinito, beleza e juventude eternas, qualquer coisinha mesmo. Ela respondeu que queria ser ela. Que nesse mundo aqui, ser você é mais difícil que ganhar na loteria ou viver pra sempre. Que aqui você pode ser tudo. Pode achar um rótulo, como embalagem de xampu. Só não pode achar você. Todo mundo tem medo de se achar, de não gostar de si. Ela sabia que ela não podia se excluir como fazia com seu pefil no facebook de vez em quando. Ela não podia se alterar usando filtros. Então escolheu ser ela, simples e puramente.

22 de ago. de 2013

Na incerteza

Só parou de restar dúvida quando ela parou de pensar no "e se" e viver em "e quando", pra transformar cada pode ser do amor em uma imagem quase palpável do futuro.

16 de jul. de 2013

Querer, ver, ser

Que a vida se veja assim clara
Que a verdade seja assim palpável
Que tudo fique tão nítido
Que você consiga separar as cores, as formas
Que você consiga perdoar, esquecer
Quando a vida é difusa
Quando a verdade é abstrata
Quando as coisas são tão misturadas
Que não sei de início e término nem de ciclo
Quando só vejo o girar penso
Que às vezes esse movimento faz sentido
Por um microssegundo ou menos

31 de mai. de 2013

Vadiagem

Se menina não usa pó é desleixada. Se usa, é falsa. Menina de cara lavada é descuidada, menina de maquiagem é fácil. Eu que nasci assim e já aprendi que não tem jeito de mulher ser algo bom não... Eu uso pra me esconder um pouquinho, guardar meu rosto só pra mim. E aí de noite eu posso contar minhas marcas no espelho. Ah, pra mim cara lavada é tão pessoal! Imagina se alguém mais soubesse daquela pinta ao lado do olho ou daquele início de ruga na testa. Olha, ser mulher é ser julgada. E se é pra ser julgada, eu prefiro ser julgada pelo que eu não sou. Por um rosto que não é meu, por um corpo que não é meu, por um estilo que não é meu. Assim cada vez que ouço um desaforo na rua, continuo andando... Aquilo não foi pra mim.

29 de mai. de 2013

Pra nascer sabendo

Quanto tempo demora pra aprender
A diferença entre diferente e especial
Entre especial e indispensável
Entre indispensável e amado
Entre o amor e a curiosidade

Quantas vezes tem de se ver
A vida pelos olhos do outro
O calor pela pele do outro
Os fatos pela mente do outro

Quanto tempo tem uma história
O suficiente pra ser a única
O mínimo pra prender o leitor
Até o seu final e mais um pouco

Por quanto tempo é o amor
Uma história a ser vista
E como saber se o amor
Ainda é curioso pra manter
E lindo de se viver

12 de mai. de 2013

No medo

O coração batia apertado, enquanto ela se sentia tonta, trêmula. "Vou perder o controle", ela pensou. Pensou que estivesse louca, doente, morrendo. As lágrimas foram descendo pra tentar aliviar, mas era demais. Ela tentava controlar a respiração, esquentar as mãos geladas, voltar o sangue pra cabeça e agir racionalmente. Só que a mente dela a enganava, fazia ela se sentir pequena e deitar assim, apertadinha, no cantinho da cama segurando o edredom... Como se isso fosse proteger de algo externo, ou aliviar a pressão interna ela não sabia. Já não sabia como lidar e o ar ia faltando pra ela, a sufocando pouco a pouco. Ela sentia que ia entrar ali embaixo das cobertas e ia desaparecer assim, sair de fininho prum mundo em que ela não sentisse tanto, onde não se sentisse tão doente. Primeiro ela perde os movimentos, depois a visão e a audição. O que ficava mais tempo era o olfato, que a fez sentir primeiro o cheiro de casa, depois o cheiro de viagem e, então, o cheiro dele. Aquele cheiro a acordou devagar. Então ela ouviu a sua voz, falando baixinho com ela, tirando aos poucos a tontura, lenteando o coração. Então ela viu ele e foi se desencolhendo, confiando. Ele a segurou bem de perto e ela sentiu seu corpo esquentar... E ficou feliz de ter uma âncora de realidade, um abraço de sanidade. E ele continuou a falar, falar... Enquanto ela precisasse de ouvir a sua voz, até dormir tranquila, finalmente.


21 de abr. de 2013

De amigos

Em cada cantinho de palavra dava pra procurar algo pra dar errado, pra ficar mal
Só que não dava pra encontrar nada além de bondade, felicidade
E se sentir livre o suficiente pra conseguir aproveitar
A leveza que algumas pessoas trazem
Prum mundo que só fica mais pesado

21 de jan. de 2013

No Brasil

No fim do dia ela trocava os tênis por sapatilhas
E dançava até a noite virar dia de novo
E o cheiro da manhã expulsar ela do salão
Pra tomar um café e comer pão com manteiga

15 de jan. de 2013

O Escritor

Acordava com o sol pra ver o sol se pôr e a lua aparecer
Comia e recomia a comida até que não sobrasse nada
Pra trabalhar e retrabalhar vendo a vida da janela
Se era pra ser assim, que fosse
Mas foi mudando a janela aos poucos
Até ela virar uma porta
E ele passar por ela devagarzinho
Como que quem vê o sol pela primeira vez
E se acostuma com a claridade
Acordava com o sol e ia dormindo com as estrelas,
Ás vezes dormia com o sol e acordava com as estrelas
Só pra sentir a vida passar por ele e com ele
Pra sentir o gosto de comida recém cozida
O cheiro do vento de manhã
E da brisa à noite
Começou a trabalhar vendendo sonhos
Que não precisava mais ter
Como um jeito de dar um presente
Pra aqueles que ainda não abriram passagem