8 de dez. de 2009

Sobre Perder

Esses dias perdi meu hd.
Ok, vão dizer que é drama e blablabla, mas tinha muita coisa gravada nele.
Fotos, print screens, músicas, coisas que eu realmente não queria perder.
Só que o pior foram os textos. Aquela pá de coisa que escrevi que agora não existe mais...
Era pra eu estar arrasada? Não, muito dramático. Mas devia estar ao menos um pouco frustrada, com algum sentimento de perda. Não estou não.
Perdi tudo e não me perdi ainda. Ou será que perdi?
Eram as minhas coisas e eu devia ligar... E não ligo!
Talvez eu tenha cansado de ligar pra tudo.
Porque assim é mais fácil, ainda que no final seja bem difícil aceitar que eu mudo e assim me perco.
Eu me perdi porque mudei ou mudei porque me perdi?
De qualquer forma, estou perdida. Em todos os sentidos.

30 de nov. de 2009

Sem certas convenções

Quando digo um não não é bem um não
E o meu sim não deixa de ser um talvez
A minha vida não tem certeza
Mas a certeza é da minha vida
Se faço não é por querer
Se não quero não é por fazer
Prego peças a mim mesma
Não me sei o que me tenho
Não me tenho no que não sei
E se fico perdida, me encontro
Só que o que encontro não sou eu
Me perco nos meus desencontros
E não me acho no que penso ser
É que quando eu ajo é por agir
E quando penso, é por achar
Não entendo o que faço ou vejo
Não encontro meu lugar
Nem em mim mesma

6 de nov. de 2009

Gotas

Caía uma gota d’água. Duas, três, quatro. Uma delas pousou no dedo, pra lá e pra cá, pra lá e pra cá, foi pro chão.
Mais uma, duas e três. Desapareciam quase que por encanto.
-Já reparou como a água some do nada? Uma hora ela tá bem aqui e do nada some.
-É que nem amigo, isso. Eles tão aqui, aí do nada somem.
-Amigo não some nunca não, Tati. Eles tão sempre aqui. É que nem a água do ar, a gente não vê, mas se não tivesse, a gente não existiria.
Ela se calou.
Ele colocou o dedo na ponta da torneira, impedindo que a água saísse.
-Sei que é desperdício, mas adoro ver as gotinhas se desprenderem da ponta e caírem no ralo. Gosto do barulho baixo que dá de água na pia.
-E eu adoro ver o quanto você gosta de observar as gotinhas d’água.
Ele sorriu.
-Gosto mais das gotinhas que de um mar inteiro.
Ela sorriu.

29 de out. de 2009

Demos à luz ao tempo

O estranho é perceber que tudo o que a gente faz e pensa ser sério ou importante parece trivial e estúpido no instante seguinte.
Tem dia que eu acordo com o mundo girando na minha cabeça e dias em que eu durmo sem fazer parte de mim mesma.
Parece que a vida não vale nada, mas é certo que a vida vale tudo cada vez que a gente sente a dor de perder alguém de verdade.
Nem tudo passa, algo tem que ficar... Mesmo que a gente não saiba o quê.
E nessa confusão de dúvidas e incertezas, não temos muito tempo pra parar e perceber. Ainda que até mesmo o tempo seja nossa criação.

12 de out. de 2009

Nulo

Tem gente que é por demais
O que todo mundo devia ser
Tem gente que tenta demais
O que todo mundo quer ser
A gente tenta por demais
Ser o que o outro quer
E acaba cabendo
Num pensamento mínimo
De outra pessoa
É que a gente quer demais
Ser dois em um
Algo que faça sentido
Algo que faça sentir
Algo que julgamos existir
Tem gente que quer demais
Acreditar no amor

26 de set. de 2009

Um quê de culpa

Ela pensou mil coisas e não chegou a conclusão alguma.
Colocou qualquer roupa, prendeu os cabelos de qualquer jeito e passou batom.
Daquela forma ninguém a quereria, não.
Desprendeu os cabelos, prendeu de novo. Jogou todos os fios pra frente e para trás. Nada.
Ainda se sentia bem mal, como se não fosse nada nem ninguém.
Começou a se revoltar com os padrões se esquecendo de que ela seguia vários.
“Vamos lá... Seja você mesma”
Piscou para o espelho. Sua imagem piscava de volta
“Quer dar uma volta? Te mostro quem você é.”
Entrou no espelho e era meio louco
Tudo muito confuso, muito escuro.
“Por aqui!” sussurrou o que ela julgou ser sua imagem. “essa é a sua parte feia, não precisamos vê-la hoje.”
“Agora sim.”
A imagem abriu duas portas e tudo se encheu de luz. Ela pôde ver que a sua imagem era muito mais bonita do que ela mesma. “Por que não usamos as mesmas roupas?”
“Nós usamos. Mas você enxerga como quer, eu enxergo como elas são.”
“Olhe em volta. Isso tudo é você. E nem eu entendo, sou apenas uma imagem... você é mais que isso tudo que te mostro.”
Mas o tudo era um lugar infinito muito branco. Não se via nada além de luz e um potinho no meio.
-O que é aquele pote?
-Sua caixinha de pandora interior.
-E todo esse branco?
-O que eu julgo como beleza. Veja que a parte branca clareia até o escuro em que entramos.
-O que isso quer dizer?
-O que você quiser que signifique. Pode ser tudo ou nada.
-Aonde você quer chegar?
-Você é o que você pensa ser.
“E as coisas importantes é você quem escolhe. Quando ser o quê, o que dizer, como agir. E como compreender também. Você escolheu se sentir mal. E você escolhe mudar.”
-Por isso não culpe seu espelho, os padrões ou as pessoas. Se há alguma culpa, ela é toda sua. E como tal, é sua subordinada. Agora saia e faça o que achar melhor.
Saiu do espelho e olhou para sua imagem. Piscou. Ela não piscou de volta. “Tudo de volta ao normal.”
Jogou os cabelos pra frente e pra trás e se sentiu mal.
“É, talvez eu goste disso.”
Prendeu os cabelos e saiu.

18 de set. de 2009

Que me lembra

Quando eu digo que não, é que sim
Se eu faço mal, penso bem
E começo pelo final
Tudo pelos avessos
Tentei ser mais certa
Chegar no horário e ir a festas
Mas não sou bem assim
Estou bem assim
Quietinha aqui
Aos avessos comigo mesma
Brincando de sim e não.

13 de ago. de 2009

Catetos, hipotenusa e todo o resto

Eu perdi o ritmo da poesia. Talvez deva tentar outro gênero agora.
Eu perdi o ritmo da minha rotina também. Talvez deva tentar ser menos rotineira agora.
Eu perdi um pouco de mim mesma nesses tempos. Eu vi o que não via antes. Sempre esteve lá, mas algo me cegava. Algo me fazia pensar que as coisas eram menos importantes do que são.
A vida é um milagre lindo. O sistema é esmagador. Faço parte da minoria privilegiada, não enxergava a maioria.
Quando ficamos muito tempo num certo tipo de vida, tomamos aquilo como normal e comum. Só que o normal e comum é o da maioria. Eles levam a vida que eu nunca levei e, provavelmente, nunca terei que levar.
As crianças trabalham, os adolescentes largam a escola. Os adultos trabalham por tão pouco e os jovens fazem muito.
Filas, grosserias, ignorância. Sobra tudo pra maior parcela da sociedade. E para nós, o que sobra? Reclamações estúpidas sobre não ter o melhor celular ou não poder ir à próxima micareta ou festa.
Nós queremos tanto que a nossa vida burguesa seja emocionante que exageramos em tudo. Fazemos um escarcéu se a internet ficou fora do ar, se a chapinha estragou ou se esqueceram do açúcar no nosso suco.
Eles passam horas esperando para serem atendidos. E nos atendem também. Agüentam cada patada por não estarmos num bom dia- afinal, o carro estragara de manhã. Enquanto eles tomaram várias conduções lotadas, esperando pacientemente por cada uma delas.
Nós não percebemos as crianças no sinal, os mendigos deitados na calçada, os aleijados nas ruas.
Não vemos as trabalhadoras mulheres vendendo doces e salgados, trabalhando de sol a sol para poderem manter suas famílias.
Não ouvimos os gritos da violência, os que traficam drogas pra viver nem os que são agredidos na nossa frente todos os dias.
O que está acontecendo conosco?
Será que a burguesia sempre foi assim tão cega?
A burguesia criou um sistema. O sistema age em prol da burguesia. A burguesia finge não gostar do sistema. E faz da própria vida uma desculpa para não ter tempo de ajudar, de mudar, de ouvir.
Nós somos a burguesia. Temos carro, comida, roupa lavada e escolas privadas. Saímos todos os fins de semana, nos vestimos bem quando queremos e temos plano de saúde.
Temos tudo o que precisamos e, ainda assim, não temos nada. Fingimos uma luta contra qualquer coisa, desde a faculdade até um coração partido. E somos incapazes de ver a luta dos demais brasileiros contra a própria corrente.
Esse fluxo capitalista
Essa multidão enfurecida
Que grita com quem atende
Usa roupa de marca e discrimina quem não usa
Sem se lembrar de que são esses que não usam que fabricam a roupa de marca que eles usam, a comida que eles consomem e a vida que eles levam.
Somos aproveitadores. E descarados o suficiente para fingir nos importarmos com as questões de diferenças sociais.
Quando na verdade o que queremos é uma pirâmide eterna, a fim de sermos sustentados pelos que hoje sofrem. O que importa é que os esmagados são eles, não nós.
Vamos ajudar o próximo, amar uns aos outros e querer a paz mundial.
Vamos também aumentar os preços, pagar pouco e fechar os olhos para o que nós mesmos fazemos.
Somos a classe nauseabunda: a podre e eterna burguesia. Um brinde ao capitalismo.

16 de jul. de 2009

Breve

E um dia ele tentou
Iluminar cada canto escuro
Que eles haviam criado naqueles anos
Para tê-la de volta.
E um dia ela achou
Que poderia mesmo ver
Algo de novo no velho, de diferente no indiferente
Com a indiferença que ele criara
Para protegê-la de cada canto escuro
Que para ela deviam ser claros
Para ver o que havia
Naquela infinidade de complexidades
De cada segredo que eles criaram
Pra manter vivo o elo
Entre ele e ela.

11 de jul. de 2009

Marionetes

Me apropriei de todo mundo
E criei um mundo paralelo
À noite todos são meus
E o sonho realidade é
Fico controlando meus personagens
Num enredo que só eu faço
Minha história parece de verdade
E se confunde com o que eu vivo
Me frustro porque meus personagens
Jamais são como eu imagino
Então eu também viro personagem
E vou pro meu mundinho paralelo
Mas me frustra tanto
Não ser como quero ser
E de todos os personagens
Eu sou a mais moldável.
Meu enredo só funciona de mentirinha
Vou pra verdade, então
Sem saber dos personagens
Das falas
Ou do fim

9 de jul. de 2009

Naturalismo

Ah, essas pessoas! Elas não sabem nada, nada não.
Mas elas gostam, ah se gostam! De olhar torto pra qualquer um
Essas pessoas fingem segurança e estão à beira do colapso
Pessoas loucas, pessoas falsas
Essas pessoas não sabem o que sentir
Ficam aí, predicando
Predicando pessoas
É fácil predicar, fácil, fácil
Difícil é entender ou saber
Essa gente não sabe nem quer saber
As pessoas andam pra lá e pra cá se mostrando
Soam tão primitivas
Elas amam como animais
Gritam como presas
As pessoas me levam à loucura
Me irritam, me incomodam
As pessoas são pedras no meu sapato furado
As pessoas não sabem de mim
Vou virar caçadora, ah se vou
Caçadora de ignorantes
Dessas pessoas que ignoram
Mas elas não entendem, entendem não
Deixa pra lá, então
Vou fingir que não percebo quando me cortam com os olhos
Vou fingir que não sou presa quando me julgam por um padrão
Vou fingir que nada vejo, vejo não.

5 de jul. de 2009

A confusão que as palavras me causam

Vou me inspirar
Inspirar drogas
Vou te respirar
Sentir o seu cheiro
É que vou expirar
Todo esse prazo
Até quando ser ou não
Eu mesma
Inspirei o ar
Respirei o ar
Expirei o ar
Pirei geral
Pairei no ar
E agora estou aqui
Bem a flutuar
Viajei pra longe
Parei no mesmo lugar

30 de jun. de 2009

Intocável

O céu me disse
Pra não pensar que sou demais
Pra não achar que podem tudo
Pra olhar pra cima
Ele me disse pra curtir a chuva
E aproveitar o sol
Que o céu deixa tudo mais bonito
Só pra mim, só pra mim
Ele queria mesmo era que eu visse
O que existe além da minha visão
Me pediu pra curtir
Tudo o que eu puder
Que o sol e a chuva
O dia e a noite
Estão aí pra mostrar
Que sempre há esperança, um dia após o outro
A vida é eterna até quando não é
Agora me diz, céu
Por que fica tão longe?

24 de jun. de 2009

Nada

E tudo que a gente faz não vale nada
Toda dor é esquecida
Toda alegria passa
Somos empurrados pela vida
Pra fazer o que nem queremos
Em prol de um bem maior
Que ninguém conhece
Traçamos dia após dia
A eterna linha da humanidade
Não se pode quebrar o ciclo
Não há como decepcionar os demais
Somos escravos da própria vida
Vida minha, não dá
Me empurra mais um pouquinho
Me puxa de volta pra linha
Cansei de não valer nem ser
Sou menos que nada e nada mais
Não acredito mais no bem maior
Se não sei o que é bem
Nem o que é maior
É melhor me fazer fazer tudo mesmo
Talvez assim eu veja
Alguma coerência no que faço
Alguma razão no que vejo
Talvez assim eu tenha
Um plano espetacular para mostrar
Uma pessoa para amar
Uma vida para viver
Uma vontade de continuar

23 de jun. de 2009

Pietro

Meu amigo acorda cansado
Passa o dia todo ouvindo
Sem poder falar
Ele fica ali, sentado
Não pode levantar
Deve prestar atenção
Deve fazer menção
A qualquer comentário
Ele chega à exaustão
De ouvir sem ser ouvido
Seus comentários são inúteis
Só servem pra fazer volume
Nessa educação de massa
E quem quiser passa
Nessa pequena estúpida jornada
Meu amigo se deita tarde
Deve acordar cedo
Pra fazer o que não pediu
Levar a vida que não vive
Pra ser alguém que não quis ser
Ele, amigo, dorme exausto
Acorda cansado
De ser empurrado
À eliminação de si mesmo
Meu amigo está cansado
Do mundo.

21 de jun. de 2009

Uma Carta

Viva a sonhar
Porque os sonhos são seus, só seus
Não ligue se te disserem que não presta
Que se veste mal
Que nunca vai ser bom o suficiente
As pessoas tendem mesmo a rejeitar
Tudo o que é bom demais
Tudo o que incomoda demais...
Viva no seu mundo
Colorido ou em preto e branco
Colora ele do jeito que quiser
Não ligue para erros
De ortografia ou de ações
Erros só são erros se você tiver medo de errar
Algumas coisas parecem tão grandes
E depois de um tempo ficam tão pequenas
Não ligue para coisa alguma
Não perca tempo
O tempo é vilão
Passa rápido e não deixa rastro
O tempo é seu, não dos outros.
Faça o que te agrada
Agrade a quem você gosta
E um dia
Quem sabe um dia
Possa ser feliz
Seja feliz.

19 de jun. de 2009

Sem pontuação certa e do meu jeito

Estafa
Do mundo.
Inspiração não chega, criatividade não existe.
Estou presa aos meus próprios padrões, não consigo sair dessa escrita...
Os versos me prendem cada vez mais, sou escrava da língua.
Se da minha língua nada sai, das palavras escritas elas jorram.
Jorram sem motivo, jorram e me surpreendem
Descubro-me e redescubro-me nas palavras.
Saio do papel, me desdobro em mil...
Talvez eu não seja o que escrevo
Talvez eu seja tudo o que eu escrevo
Não há certeza na escrita
Não há interpretação que te limite
Autor é personagem, personagem autor é.
Leitor torna-se personagem, se vê em cada história
Se não é personagem, não gosta da anedota
Egocentrismo literário
Inspiração chegou, mas a criatividade não
Não há novidade na minha escrita, sempre nos padrões
Palavras avulsas surgem, sequer fazem sentido juntas
Não me vejo no que escrevo
Ninguém se vê no que escrevo
Sou autora-fantasma, com leitores imaginários.
Egocentrismo vazio

14 de jun. de 2009

Romance

Era noite cá e dia lá.
Ela gostava de sentir o cheiro da chuva, ele gostava de se molhar.
Enquanto ele dormia, ela acordava.
Eles sempre estavam naquela sincronizada assincronia
Todos os dias ela dormia pensando nele
Todas as manhãs ele acordava imaginando ela
Andavam supondo como o outro andava
Amavam pensando como o outro amaria
Quando ela sentia dor, ele se lembrava dela
Quando ele ficava feliz, um surto de felicidade surgia nela
Eles estavam conectados
Além de fusos horários e falta de religião
Mais que uma palavra ou um diálogo inteiro
Eram parte um do outro, como o dia é pra noite
Eles queriam estar juntos
Mas nunca é noite e dia no mesmo lugar
Ela dorme e ele acorda
E sequer existem

12 de jun. de 2009

Televisão

Todos tentam controlar
A hora de acordar, a hora de dormir
Quando sair, quando chegar
Quem ter ou não ter
A vida dos outros e a própria
Mas o mais incrível é que não há controle!
Não sabemos se vamos acordar ou poder dormir
Não prevemos se poderemos sair ou chegar
Ninguém pertence a ninguém
Vida nossa e de todo o mundo
É emaranhado imprevisível
Filme sem final, música sem início
Todos tentam controlar
O próprio controle pela vida
Mas é carro desgovernado
Água em peneira
A vida vem e vai, pega e leva
Não é minha nem sua
Não adianta tentar controlar
Aquilo que controla a nós
Vida é controle-remoto
Do preguiçoso destino meu
Muda, canal, muda!
Nem isso posso mudar
O controle foge à minha posse
Vida é incomparável, livre
Liberdade minha

11 de jun. de 2009

Sobre

Mudo muda.
Não quero que ninguém saiba o que sinto.
Ajeito a mobília, sento-me no sofá empoeirado.
Choro baixinho, discretamente.
Queria tanto mudar o mundo!
E não mudo nem meu modo de me mudar.
Enxugo as lágrimas calmamente. Gosto de senti-las descendo pelo meu rosto, quentes.
Mudo tudo de lugar novamente.
Meu mundo é meu modo de mudar.
Se mudo algo de lugar, sinto esvaziar a mente.
Queria tanto me esvaziar...
Jogar fora os pensamentos, cuspir as palavras.
Cansei de ser muda, de mudar sem mudar e de ter um modo tão estranho de ser e estar.
Ajeito a cortina, perfeitamente.
É como se tirasse mais um peso das costas.
Puxo o tapete rapidamente, sinto alívio no meu estômago, sempre retorcendo de dor.
Termino tudo. E não terminei nada. Sinto o estômago retorcer, a cabeça arder, as costas doerem. As lágrimas ressurgem. Mas dessa vez, sequer as enxugo.
Sento-me no meu tapete arrumado, arranho minhas pernas. Algo ali tem que fugir da perfeição... Algo tem que ser errado, diferente. Esse algo sou eu. Atrapalho a sincronia perfeita da minha própria vida.
Bagunço os cabelos e vou até o espelho mais próximo. Vejo o caos nos meus olhos, reflexo da mente.
Minha pele está vermelha e molhada. Entro no banheiro organizado, lavo o rosto. Gosto de sentir a água gelada na minha pele quente.
Deito-me no chão de lá. Não gosto de sentir frio naquele azulejo. Castigo-me. Minha pele aquece o piso. Sinto-me confortável.
Gosto de sentir a mudança após a crise.

8 de jun. de 2009

A Menina que Criou a Terra

Ela vivia sempre trancafiada. Era filha dos Deuses, dona da Verdade Eterna. Tinha aqueles olhos tristes, sempre se destacando, não importava onde. Seus cabelos eram tão longos que podiam tocar o chão e o céu, o céu e o inferno. E tocavam.
Não podia deixar o castelo, não podia falar com ninguém exceto os moradores de lá, que eram apenas escravos. Ela se sentia uma escrava também.
Um dia um dos escravos deixou-lhe um presente em segredo. Chamava-se Terra. Era como uma casa de bonecas que ela podia controlar. Ele a disse que poderia fazer qualquer coisa ali. Habitantes, paisagens, animais, comida. Era apenas pintar e jogar o papel dentro da esfera que era a Terra. Seria o segredo deles. Ninguém poderia saber de sua existência.
A Terra tinha uma abertura para os papéis e uma lupa mágica, que deixava a menina ver cada cantinho do lugar. A menina, então, se tornou a guardadora da Terra. Criou animais e pessoas, lugares e mares inacreditáveis. Quis fazer o melhor para os seus habitantes. Criou pequenas árvores que davam frutos e fez o vento para refrescá-los do sol que fizera para aquecê-los.
A cada dia a menina fazia pinturas diferentes para o que ela chamou de céu. Ela queria que as pessoinhas fossem mais felizes que ela. Fazia pinturas tão lindas, tão delicadas e profundas, para que as pessoas pudessem ver que havia alguém cuidando delas ali. E elas não viam.
A menina via pessoas chorando, matando, roubando. Não entendia. O que fizera de errado? Passou a fazer mais coisas para alegrá-las, então.
Criou as cachoeiras, as nuvens, os sabores. Decidiu que tudo precisava de um sabor, um cheiro e uma cor. Deixou tudo mais doce, mais cheiroso e colorido, mas as pessoas continuavam infelizes!
Para se sentir feliz, ela precisava deixar as suas pessoas felizes. Um dia chorou pela primeira vez, e na Terra fez chover. Ela resolveu olhar pela lupa de novo. Viu crianças correndo na chuva, casais se beijando, as plantinhas crescendo. A menina então percebeu que o que faz a felicidade é a infelicidade. Só assim cada um valoriza o que tem.
Ela guardou a lupa e se deitou na caminha estreita. Ela era infeliz por estar presa, mas era a pessoa mais feliz por ter a Terra. Naquele dia criou o arco-íris.
O arco-íris era a mágoa que foi embora, a lágrima que foi secada, a briga que terminara. Coloriu o arco-íris com todas as suas cores favoritas.
Guardou a Terra que era seu tesouro e desejou que todos tivessem um tesouro como ela tinha. Antes que pudesse criar esse tesouro para todos, percebeu que eles já o tinham. Era um abraço, um beijo, um coração. Era ser aquecido por algo mais que o sol. Era ter algo que fizesse a mágoa ir embora e o arco-íris reaparecer. Eles tinham uns aos outros, e ela tinha a eles. Era mais que um tesouro.

6 de jun. de 2009

A Arte de Ganhar em Último

Tento e falho, desisto e perco.
Tentativa boba, tentativa insossa.
Tentar é perder, não tentar não é ganhar.
Finjo que tento, finge que acredita.
Tentativa ilusória...
Tento te enganar, tenta me acreditar.
Tentativa monótona.
Tento sem tentar, falho sem falhar.
Perco sem tentar.
Tentativa desperdiçada.
Cansei de tentar tentar...
Tentativas falsas!
Se tento é por tentar.
Tentativas inúteis.
Desperdicei tentando!
Prefiro não tentar.Fazer o que se gosto só de ganhar...

5 de jun. de 2009

Janela

Abre e fecha
Tudo.
Abro e fecho meus olhos.
Abro e fecho. Minha mente, meus deveres, meu dia.
Abro e fecho. Minhas lembranças e meus temores.
Fecho e abro. Meu coração, minhas dúvidas, meus remorsos.
Abro para o amor, fecho para a razão. Fecho para a razão e não abro para o amor.
Endurece-me a alma, amar. Fecha-me a alma. De que adianta abrir o coração e fechá-la?
Fecho o coração, abro a alma. Deixo tudo livre, exceto o mais importante.
Abro para alguém, fecho para alguéns. Direitos livres: fecho para todos.
Fecho a cara, fecho os olhos, fecho a mim mesma.
Enclausurada numa concha. Abro uma fenda.
Abro e vejo a mim, fecho e enxergo a mim.
Abre e fecha.
Tudo.
Abro e fecho meus livros;
Abro e fecho meus textos;
Abro e fecho minha vida
Uma vez só.

29 de mai. de 2009

Rebanho Alternativo

Tipos são tão previsíveis! Tão divisíveis, tão visíveis.
Sempre classificáveis, sempre dispensáveis.
Existem vários tipos de tipos.
Estão por todo lugar, se definem externamente.
Gostam de ser encaixados... Pecinhas moldáveis essas!
Parecem quebra-cabeças. Só estão completos com seus semelhantes.
Chatos, solucionáveis, dependentes.
Cansei de tipos!
Agora quero exceções.
Exceções são tão imprevisíveis! Indivisíveis, invisíveis.
Nunca classificáveis, nunca dispensáveis.
Existem várias exceções.
Estão em poucos lugares, se escondem internamente.
Quase nunca se encaixam. Pecinhas tão solitárias...
Parecem peças perdidas de jogos antigos.
Guardamos sem saber por quê, perdemos as outras peças...
São tão misteriosas, incompletas e independentes.
Por si só conseguem lembrar todo um jogo
Só que são sempre tão... Soltas.
Levam-nos a pensar no resto das peças
Será que existem outras como ela? Será que algo pode completá-la?
Mas então percebemos o quanto ela é importante sozinha.
Suas formas são diferentes, suas cores também...
E assim vemos a importância das peças perdidas.
São como pessoas solitárias. Importantes por serem vistas sozinhas. Só assim se revela o brilho discreto da beleza de cada um. Cansei de ser invisível.