12 de jan. de 2010

Na Brevidade da Eternidade

(Ps: me perdoem a falta de acentos, teclado desconfigurado.)



Amigo é bem engraçado, sempre esta conosco, mas ao mesmo tempo não esta.
Esse fim de semana estive na casa de Lourdes. Ela me fez uma broa e um pudim de pão. Me contou umas coisas da vida.
-Sabe, Ana, sempre gostei do seu nome, acho muito artístico.-ela riu. A vida nos prega pecas cada vez mais reais, você vai ver. Chega uma hora em que você não sabe mais o que foi conseqüência sua ou acaso do destino. Mas tudo tem um dedo seu, ah, tudo tem sim.
Eu conheci o José tinha uns 13 anos. Ele usava boinas no calor e eu gostava de pisar na areia descalça. Nos conhecemos na praia, numa das férias de verão em que a gente faz aquela viagem com os amigos, sabe? Eu fui com algumas colegas de sala. Nunca soube com quem ele foi, só sei que lá estava ele, com uma boina azul no meio daquela areia marrom clara.
Estava caminhando e ele ficou me olhando meio tímido. Eu não era tímida não, nunca fui. Sorri pra ele e caminhei até lá.
-Voce costuma usar boina na praia?
-É que esse sol me incomoda. Você costuma criticar estranhos?
-É que a sua boina me incomoda- retruquei.
E assim ficamos amigos. Ele nunca foi do tipo namorador, mas também não era casto, entende? Ele apenas era ele, nunca julgava ninguém e comia uva com casca.
Um dia a gente se casou. No outro eu saí para comprar algumas frutas que queria e o encontrei deitado no chão da sala, a boina em cima do peito. Alguns remédios ao lado e um bilhetinho: “Só usei a boina pra te impressionar.”
Uns amigos são apenas amigos, outros são amantes também, ela comentou. O Jose sempre foi um amante-amigo, mas eu nunca fui amiga dele.
Aos poucos nós vamos decepcionando as pessoas e isso é normal. Só que algumas pessoas são sensíveis a essas decepções. As do José começaram de baixo, poucas e pequenas, mas foram crescendo. Ele ainda me via como a menina da praia, mas eu não via ele como o garoto da boina.
No dia em que descobrimos a doença dele, eu perdi essa visão. Ele também perdeu essa visão dele mesmo. Guardou a boina azul no fundo do armário. Às vezes eu o via abrindo, experimentando. Mas nunca a usava perto de mim. Acho que ele não queria me despertar lembranças.
-Lourdinha, venha aqui, por favor... - ele sussurrou. Não consigo sentir meus dedos dos pés...
Ele tinha os dedos quase pretos. Teve de amputar todos. Agora já não se mantinha em pé com facilidade. Aos poucos não podia se sustentar mais. Compramos uma cadeira de rodas... E aos poucos ele não podia se mover nela também.
Isso era triste, muito triste. E aos poucos eu fui deixando ele de lado... Saía cedo e deixava a empregada lá. Ele costumava ficar na frente de casa olhando o movimento dos carros, cumprimentando os conhecidos. Eu fingia que tinha aulas ou trabalho e saía.
Tive vários amantes que nunca foram meus amigos. E nenhum amigo de verdade. Depois que perdi Jose perdi a mim mesma... E não achava ser digna de amizade alguma.
Quando ia embora ele ficava me observando, quietinho. Espremia os olhos pra me ver mais um pouquinho e tentava falar algo, a boca seca e rachada.
Eu tinha raiva, não nego. Queria um marido forte, saudável. Nunca enxerguei a forca que Jose tinha... Ele sim tinha forca de me ver sair todos os dias e não reclamar. Quando chegava em casa e ele ainda estava na varanda.
A empregada costumava esquecê-lo ali. Um dia cheguei bêbada, na chuva... Estava tropeçando na calçada quando o vi. Sem dar a impressão de sua presença ali, ensopado de água. Ele me olhou e só levantou o queixo, como se dissesse “está bem, acho que devemos entrar.”. Com muito custo o empurrei para dentro de casa.
-José, por que a Marta não te levou pra dentro?
Ele deu um sorriso semicerrado e respondeu baixinho:
-Queria te ver, Lourdinha.
Aquilo me partiu o coração de forma que me fez sentir raiva. Dor demais dá raiva e eu aprendi bem isso. É como se não houvesse outro jeito de lidar com ela... Como se fosse tão grande, mas tão grande, que o choro não dissipasse. Eu gritei com ele esse dia, gritei muito. E ele não respondeu nada. Ficou esperando que eu o enxugasse, trocasse suas roupas, céus, ele não podia fazer isso! O troquei com tanta violência que hoje penso ter o machucado. Como pude fazer isso? Como pude ser tão ruim com o meu José?
Deitei ele na cama que não mais dividíamos. Ele ficou me olhando como se esperasse um beijo ou um carinho. Eu só fechei a porta do quarto e saí.
Outro dia cheguei em casa e o encontrei de boina, alegre. Ele pediu pra ficar na calçada e eu o deixei lá antes de partir.
-você volta cedo, Lourdinha?
-Volto sim.- respondi para ir logo.
Ele deu um sorriso e eu fui.
Nesse dia me encontrei com mais um amante, bebi mais álcool e comprei sapatos novos.
E quando abri a porta lá estava ele, no chão.
Não sei como ele conseguiu os remédios, tampouco como foi parar no chão. Só penso que se tivesse chegado cedo, teria salvado ele, teria sim. E ele confiou.
Ao lado do bilhete havia uma flor púrpura que espalhava um cheiro doce pela casa toda. Cheiro que hoje associo a morte.
Olha, Ana, esse testemunho meu é só pra explicar. Agora enchi a casa de flores púrpuras. Com sorte encontro meu Jose. Ah, com muita sorte...
E ela se matou ali, na minha frente. Foi um tiro apenas, a arma dentro da boca. O cheiro das flores se misturava a carne que fedia. E o cérebro espalhado pela parede da sala parecia dar uma decoração aquele cenário monstruoso. Mas ela achou Jose,sim. Agora eles andam descalços na praia e usam boinas iguais. Dona Lourdes mandou dizer que nunca se sentiu mais feliz na vida, ou morte, dela.

10 de jan. de 2010

Mesmas palavras de sempre

Se eu sei que eu quero
Já não sei se espero
Um pouco mais que devia
Por um pouco mais que doía
É que eu tenho mesmo uma mania
De querer saber o que quero
Porque já não entendo mais a mim mesma
E de saber eu não sei nada
Mas já me dói me surpreender
Com o que faço a mim mesma
Eu sou eu ou sou outra
Eu sou nada mas sou toda
Minha
Ou será que já não sou?
Me perdi no meio de mim
E não faço idéia de onde estou
Se eu quero é por querer
Se faço é por fazer
E quando brinco não leve a sério
Porque a sério nem eu me levo
Já que de mim eu não sei nada
Eu não sou nada
Eu sou um tudo
Em tudo que se pode ter
Num espaço vazio em branco
Eu sou o vácuo em mim mesma
Sou a lacuna dos outros
Ou talvez só um espaço bem pequeno
Que não faz falta quando vazio
É que eu tenho mesmo um dom
Pra ser tudo e nada
Pra tudo e todos