31 de mar. de 2010

Cães Incríveis

Eu tinha uma cadela incrível. Acho que toda pessoa normal já teve um cão assim.
Ela gostava de pular em mim, ainda que não machucasse. E se eu me sentava, ela se sentava no meu colo. Se eu gritava, ela abaixava a cabeça e abanava o rabo, tímida. Quando eu chegava, ela fazia festa e adorava quando eu ia brincar com ela.
Mas aos poucos eu fui mudando e ela, como a amiga que era não me abandonou. Continuava fazendo as festas, que agora me irritavam. E eu já não ia mais brincar com ela, me ocupava com tantas outras coisas, agora tão bobas...
O tempo passou mais e ela começou a ter pêlos brancos. Não sei como não reparei que a vida dela ia se esvaindo na minha frente. Um dia ela parou de fazer festa. Só ficava deitada no quintal, tomando sol. Descobrimos que ela estava doente.
Algumas semanas depois ela ficou muito pior... E eu fui para o quintal. Sentei do lado dela, que respirava com tanta dificuldade, e fiquei lá. Comecei a lembrar das nossas brincadeiras, de quando eu sussurrava algo pra ela, como que fazendo algum tipo de confidência infantil.
Lembrei do dia em que ela chegou aqui e de como ela era pouco mais que uma bolinha preta... De como eu cuidei dela como se fosse um bebê. De quando ela começou a crescer e latir, de como ela ficava apoiada nas patinhas de trás pra fazer graça. De como ela odiava o barulho do secador de cabelo e não gostava que coçassem a barriga dela.
E tudo isso foi embora tão rápido com ela ali, debaixo da árvore naquele dia quente. Eu não sei quanto tempo fiquei ali, fazendo carinho na cabeça dela, passando o dedo pela ponta das orelhinhas dela, o pêlo tão embolado... Mas o tempo passou, de qualquer forma. E ela morreu ali mesmo, no lugar em que nós brincamos tantas vezes.
Colocaram-na num saquinho e eu não conseguia entender como a minha cadelinha podia caber ali, tão espremida... Não conseguia entender como eu deixei aquilo acontecer, quando eu a havia abandonado? Parecia que a qualquer instante ela poderia simplesmente sair dali, abanar o rabinho e me pedir pra brincar.
Mas ela nunca saiu dali. E parte de mim ficou ali com ela, esperando para correr pelo quintal, fazer comidinha com a ração e depois pedir pra ela experimentar. Parte de mim ficou ajeitando o cantinho dela, limpando a coleira, encontrando os laços que ela usava quando voltava do pet shop.
E depois de tantos anos, a dor é a mesma. De perder, de culpa. Mas resta sempre a minha admiração por esses cães que fazem os humanos serem, enfim, humanos.

Um comentário:

  1. Demais esse post. Espero que a admiração por "esses cães" sempre esteja com você (:

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