8 de out. de 2013

Reduzindo

Na hora de ir embora ela empacotou tudo, mandou pra cunhada. Entrou na van branca e botou o cinto. Ela se perguntava qual a necessidade do cinto de segurança quando se está indo em direção à morte. Repensou e decidiu que ela poderia colidir e matar outra pessoa. Apertou os cintos.
Ela foi passando pelo bairro. Viu a igreja onde o neto tinha sido batizado, a praça onde o filho aprendera a andar de bicicleta. Viu também a escola onde lecionou por vários anos e o posto de saúde em que levava as crianças pra vacinar.
Achava irônico que por tanto tempo criou tanta gente e agora tinha que pagar pra ser levada ao hospital. Ninguém tinha tempo pra levar a mãe pra lugar nenhum.
Ela chegou no hospital, tinha um cheiro característico que lhe dava calafrios. A médica explicava o procedimento. Ela não ouvia. Sabia que iria morrer, ela havia sonhado por três noites seguidas com aquilo.
Ela se deitou na maca, lhe enfiaram uma agulha. Ela dormiu.
No dia seguinte vieram lhe examinar, mas era só corpo. Ela era alma, ar, tinha evaporado dali que nem chuva em dia quente.
A cunhada abriu as caixas. Encontrou fotos, lembranças que ela havia guardado a vida toda. Achou aquilo tudo muito inútil e botou pra fora.
O lixeiro levou a caixa, que apodreceu no lixão até não restar nada.
Sua neta pensava que não queria sua vida apodrecendo.Nunca guardou nada, nem dinheiro. E morreu uns anos depois, atropelada por um carro, usando os únicos sapatos que lhe restavam.
Os sapatos também foram apodrecer no lixão um dia. Enquanto os corpos de ambas se decompunham.
A bisneta não gostava da ideia. Morreu muitos anos depois. E seguiu o inevitável destino de todo mundo, de voltar pra terra.

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