8 de jun. de 2009

A Menina que Criou a Terra

Ela vivia sempre trancafiada. Era filha dos Deuses, dona da Verdade Eterna. Tinha aqueles olhos tristes, sempre se destacando, não importava onde. Seus cabelos eram tão longos que podiam tocar o chão e o céu, o céu e o inferno. E tocavam.
Não podia deixar o castelo, não podia falar com ninguém exceto os moradores de lá, que eram apenas escravos. Ela se sentia uma escrava também.
Um dia um dos escravos deixou-lhe um presente em segredo. Chamava-se Terra. Era como uma casa de bonecas que ela podia controlar. Ele a disse que poderia fazer qualquer coisa ali. Habitantes, paisagens, animais, comida. Era apenas pintar e jogar o papel dentro da esfera que era a Terra. Seria o segredo deles. Ninguém poderia saber de sua existência.
A Terra tinha uma abertura para os papéis e uma lupa mágica, que deixava a menina ver cada cantinho do lugar. A menina, então, se tornou a guardadora da Terra. Criou animais e pessoas, lugares e mares inacreditáveis. Quis fazer o melhor para os seus habitantes. Criou pequenas árvores que davam frutos e fez o vento para refrescá-los do sol que fizera para aquecê-los.
A cada dia a menina fazia pinturas diferentes para o que ela chamou de céu. Ela queria que as pessoinhas fossem mais felizes que ela. Fazia pinturas tão lindas, tão delicadas e profundas, para que as pessoas pudessem ver que havia alguém cuidando delas ali. E elas não viam.
A menina via pessoas chorando, matando, roubando. Não entendia. O que fizera de errado? Passou a fazer mais coisas para alegrá-las, então.
Criou as cachoeiras, as nuvens, os sabores. Decidiu que tudo precisava de um sabor, um cheiro e uma cor. Deixou tudo mais doce, mais cheiroso e colorido, mas as pessoas continuavam infelizes!
Para se sentir feliz, ela precisava deixar as suas pessoas felizes. Um dia chorou pela primeira vez, e na Terra fez chover. Ela resolveu olhar pela lupa de novo. Viu crianças correndo na chuva, casais se beijando, as plantinhas crescendo. A menina então percebeu que o que faz a felicidade é a infelicidade. Só assim cada um valoriza o que tem.
Ela guardou a lupa e se deitou na caminha estreita. Ela era infeliz por estar presa, mas era a pessoa mais feliz por ter a Terra. Naquele dia criou o arco-íris.
O arco-íris era a mágoa que foi embora, a lágrima que foi secada, a briga que terminara. Coloriu o arco-íris com todas as suas cores favoritas.
Guardou a Terra que era seu tesouro e desejou que todos tivessem um tesouro como ela tinha. Antes que pudesse criar esse tesouro para todos, percebeu que eles já o tinham. Era um abraço, um beijo, um coração. Era ser aquecido por algo mais que o sol. Era ter algo que fizesse a mágoa ir embora e o arco-íris reaparecer. Eles tinham uns aos outros, e ela tinha a eles. Era mais que um tesouro.

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